As portas abertas do Ateneu
Noite de domingo, fria e calma na Cidade Baixa. Na velha Travessa dos Venezianos, pedaço harmônico de passado em um bairro eclético, a luz e as vozes de um rincão anarquista atravessam a porta aberta de uma das tantas casinhas gêmeas. Aqui o Ateneu Libertário Batalha da Várzea, sede da Federação Anarquista Gaúcha (FAG), espaço de política e cultura, de muitos livros e paredes pintadas pelo rubro-negro da causa. Estamos na pequena coletiva de imprensa convocada pela organização, que pretende esclarecer o episódio em que a polícia invadiu a sede do grupo sem mandato ou motivo claro, em uma ação policial ou para-policial nebulosa. O assalto ocorrido na tarde da última quinta-feira trouxe à lembrança de muitos cenas de uma ditadura ainda pouco superada, seja pela proximidade histórica, seja pelos crimes ainda não punidos, seja pela herança nefasta que deixou em nossas instituições.
A FAG, na voz de seu membro Guilherme Runge, relata o conteúdo do botim recolhido pela Polícia Civil horas antes da última manifestação massiva pelas ruas da cidade. Segundo o anarquista, após o pé na porta, foram levados tintas e livros, que até onde sabemos ainda não são materiais proibidos. Entre as publicações subversivas levadas pela polícia, figuravam títulos de Noam Chomsky, o mesmo intelectual estadunidense que visitou Porto Alegre em anos de Fórum Social Mundial, época em que o hoje governador Tarso Genro ocupava a cadeira de prefeito. Outro título confiscado se chama “Os anarquistas do Rio Grande do Sul”, publicado pelo governo do Estado em outro governo petista. Frisamos a relação do material apreendido com o partido de Tarso Genro pela contradição gritante com as recentes declarações do governador, que associam a ideologia anarquista às cenas de destruição do patrimônio público e privado ocorridas nas últimas manifestações. Para a FAG, o governador do Estado se associa desta forma à imprensa hegemônica, “golpista”, nas palavras de Guilherme, na construção de factóides, que buscam implantar a cultura do medo e criminalizar o movimento social. Segundo a organização, o governo do Estado busca assim controlar o a mobilização popular, na tentativa de isolar e dividir setores da Esquerda combativa.
Guilherme relembrou a invasão da antiga sede da FAG no ano de 2009, durante o governo Yeda, quando, dessa vez com mandato, a Brigada Militar recolheu cartazes que acusavam a então governadora de ter responsabilidade no assassinato do sem-terra Elton Brum, baleado pelas costas no município de São Gabriel. Para a FAG, Yeda Crusius, enquanto comandante-em-chefe da Brigada, continua sendo a responsável pelo crime.
Sobre as mobilizações que tomaram as ruas do país nas últimas semanas, a organização se diz disposta a seguir se manifestando para “disputar a pauta da mídia”. A FAG enfatiza primar pela organização de base e defende o direito dos partidos a participarem das mobilizações, direito reprimido por manifestantes anti-partidários presentes nas últimas marchas. A coletiva, que transcorreu tranquilamente durante pouco mais de uma hora, só foi interrompida, brevemente, por um ruído de sirene policial disparado a poucos metros da entrada do Ateneu. A repressão ronda a Travessa do Venezianos mas a FAG parece não se intimidar tanto com isso. Guilherme resume: o medo é inimigo da liberdade.
Foto: Martino Piccinini
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